sábado, 13 de fevereiro de 2010

Como o casamento dos homossexuais destroi o meu (completo)

Confesso desde que o Parlamento, partindo da ideia antidemocrática de que liberdades fundamentais no se referendam, aprovou a possibilidade de pessoas com o mesmo sexo se casarem, só aconteceram desgraças no meu casamento e na minha família. Não foi coincidência, foi o facto de a noção de casamento se ter assim deteriorado invencivelmente. Alguns pormenores: o meu marido passou a olhar com outros olhos para a secretaria (ou será o secretário?...), os sobrinhos enviaram-me mensagens a dizerem que me desprezavam, o meu irmão cortou relações comigo e o meu primo médico, sempre tão disponível, disse-me secamente por SMS que passava a atender-me apenas de seis em seis meses, quaisquer que fossem as maleitas. O meu pai e a minha mãe, já mortos, enviaram-me faxes com carimbo do outro lado, a dizerem-me que, se pudessem, me teriam dado para adopção e que ficava proibida de mandar celebrar qualquer missa por eles. Fiquei destroçada e entrei em depressão grave, de que só talvez a grande manifestação pró-vida, desculpem, pró-heterossexualidade, desculpem ainda, contra-antinaturalidades, agendada para Fevereiro, me possa salvar.
Sim, porque é fundamentalmente de antinaturalidades que se trata. É certo que há animais com comportamento homossexual, por vezes de acordo com as estações do ano (vi num documentário da National Geographic, deve ser verdade), e os chimpanzés bonobos parecem resolver tudo à base de sexo entre todos e todas, com desregramento total. Por isso, diz-se que são os chimpanzés que vivem com menos violência entre si. Mas nós somos humanos não meros animais nem meras forças da natureza. A natureza, sim, tem deslocamentos de placas tectónicas que matam milhares, tsunamis incríveis, e fenómenos semelhantes. Mas os humanos têm uma naturalidade que lhes é especifica, embora nem sempre se chegue de imediato ao conteúdo dessa naturalidade. O que não se pode é duvidar da sua existência.
Da lentidão em chegar por vezes ao conteúdo desse conceito, o último filme de Amenábar dá-nos uma ideia clara. De modo especulativo - pois pouco se sabe da célebre filósofa e astrónoma Hipátia -, Amenábar coloca-nos o futuro S. Cirilo a ler a passagem em que S. Paulo diz não permitir que as mulheres ensinem e que se devem remeter ao silêncio (cf. lTm, 2: 11ss). Claro que a passagem vinha mesmo a matar em relação a Hipátia, que ensinava em público e não se converteu ao cristianismo, preferindo as suas especulações filosóficas. Rezam as crónicas que foi despida e esfolada viva com conchas de ostra dentro de uma igreja. Ora, os séculos encarregaram-se de esclarecer que, para uma mulher, falar em público é natural. De qualquer modo, Hipátia parecia rejeitar o casamento, dedicava-se a actividades muito abstractas e não teve crianças. Aí poderia estar já o começo da sua antinaturalidade. Também é certo que um Papa afirmou que o parto não devia doer, pois era algo natural e necessário à espécie, mas esse foi um juízo demasiado rápido. Seja como for, não é por ser difícil dar conteúdo à noção que ela não existe. Por ex.: pode parecer estranho que o Governo italiano tenha dito que os crucifixos nas escolas são um “facto natural”, mas perdendo bastante tempo a estudar os argumentos invocados, percebe-se com clareza o raciocínio. O que não se quer, nestes tempos pós-modernos, é fazer o esforço de perder tempo a estudar os assuntos como deve ser. É por esse incentivo ao estudo que manifestações como as de Fevereiro são tão necessárias à democracia.

Laura Ferreira dos Santos in Público, 06 Fev 10

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