A claustrofobia democrática através da publicidade
Por Eduardo Cintra Torres, Público 21/11/09 (ect@netcabo.pt)
Comentário prévio: este é um artigo de opinião tirado de um jornal. As opiniões reproduzidas são do seu autor e interessam para a aula porque tocam um ponto fulcral: o do potencial controlo de conteúdos em publicações periódicas através da compra (ou promessa de sompra, ou compra nenhuma) de publicidade. Aliás, estas acusações podem ser feitas também a empresas privadas. Há um ror de publicações que desapareceram por, embora terem leitores em número idêntico ou superior ao de publicações semelhantes, não angariavam publicidade.
Bloco de Esquerda tomou uma iniciativa excelente ao pedir no Parlamento, ao Governo, que torne públicos os investimentos em publicidade dos ministérios, institutos e empresas públicas em 2008 e até Junho de 2009. Receio que o Governo se esquive a responder com informação séria, para não reconhecer um eixo fundamental da sua estratégia política de controlo da sociedade, mas, quaisquer que sejam os resultados da medida, ela serve desde já para chamar a atenção para um poder político injusto, discriminatório, metediço e censório em relação aos órgãos de informação.
Há anos que os media que se portam "mal", publicando informações e opiniões que desagradam ao Governo, são vítimas do garrote financeiro, quando o executivo, contra todas as regras de civilidade e equidade democráticas, lhes recusa publicidade oficial. A quebra de receitas pode ter efeitos devastadores num negócio, o da imprensa livre, que vive em primeiro lugar, desde o século XIX, da publicidade.
A asfixia da independência dos media, cortando-lhes anúncios, é também praticada pelas empresas amigadas com o Governo, como se tem visto pelo menos com um banco privado conhecido pelas suas eternas ligações ao poder: usa a (não) colocação de publicidade como pressão política indirecta. E o director do Sol revelou esta semana à Sábado: "Uma pessoa do círculo próximo do primeiro-ministro e que conhecia muito bem a situação do jornal e a nossa relação com o banco BCP disse-nos que os nossos problemas ficariam resolvidos se não publicássemos a segunda notícia do Freeport." A publicidade do BCP no Sol caiu 68% nos primeiros nove meses do ano.
Além disso, Governo e organismos dependentes injectam dinheiro através da publicidade nos media que fazem favores e proporcionam formas de financiamento às empresas que alinham nos seus interesses, como se viu pelo dinheiro disponibilizado à OnGoing, para comprar parte da MediaCapital, pelo fundo de pensões da PT e por um banco mutualista, o Montepio, que não deveria, por norma, meter-se em negócios arriscados.
O caso dos órgãos de informação da Controlinveste, como o DN, tornou-se compreensível aos menos atentos quando se conheceram conversas sobre ajudas ao "amigo Joaquim", isto é, Joaquim Oliveira. O caso da "notícia" do suposto e-mail, "notícia" que pode ter sido suficiente para garantir a vitória eleitoral ao PS, é o caso mais paradigmático da relação pornográfica entre alguns media e o centro nevrálgico do poder político. O grupo Controlinveste tem conhecidas dificuldades financeiras e quem, segundo a imprensa, renegociou a sua dívida no BCP foi Armando Vara, uma das pessoas mais próximas de Sócrates. Quanto à rádio do grupo, a TSF, escrevia sobre ela há dias, no blogue Corta-Fitas, António Figueira: "Uma estação de rádio que tem programas a meias/inspirados/pagos pelo IEFP, Igespar, Instituto do Desporto de Portugal (e se calhar outros; cito estes de memória) ganharia em chamar-se Antena 4; clarificava as coisas."
Em alguns casos não se trata apenas de divulgar propaganda governamental. Trata-se de tentar destruir adversários. O caso do e-mail é de novo paradigmático. Recorde-se que o actual Governo trabalhista britânico se viu obrigado recentemente a demitir dois assessores que se dedicavam a inventar falsidades sobre a vida privada de adversários políticos.
A subsidiação discriminatória representa mais do que um prémio de "bom comportamento" aos media dos "amigos Joaquins" que há por aí. Trata-se, como afirmou Francisco Louçã esta semana, de um autêntico "regime de controlo da comunicação social pelo Estado". Nunca em Portugal houve uma máquina de propaganda como a montada por este Governo. Já lhe valeu uma vitória eleitoral e um desgaste permanente dos adversários e dos críticos, bem como o silenciamento de muitos empresários, militares, funcionários públicos, jornalistas e outros. Esperemos que a iniciativa do Bloco de Esquerda marque um novo passo no combate da sociedade civil pela independência dos media face ao poder político, uma luta que tem sido extremamente difícil em Portugal.e 2005 para 2009, a RTP1 e TVI e mais ainda a SIC perderam espectadores, ou para o cabo, ou para outras fontes de entretém. À parte grandes eventos, como o desporto, ou um programa-lotaria, que só sai às vezes, como o Big Brother ou o Gato Fedorento, o modelo da TV generalista já não se mostra capaz de acrescentar público, sem que exista, entretanto, um modelo alternativo.
Deste modo, acumulam-se os desastres, como Dança Comigo no Gelo, mais uma frivolidade da RTP1 paga com o dinheiro público para não atrair mais do que 6,5 por cento da audiência; como Família, Família, também na RTP1, com 5,6%, como M/F, na SIC, abaixo dos cinco por cento; ou até como Uma Canção para Ti, na TVI, que perdeu cerca de 800 mil espectadores em três meses. Tem havido outros programas que desaparecem sem deixar rasto, outros passam do horário "nobre" para as madrugadas e fins de semana.
A obsessão com o modelo "para toda a família" é exemplar num programa de título insistente: Família, Família (RTP1, sextas). Segue, como outros, o modelo de entretenimento da RAI Uno, que Luís Andrade trouxe de Itália há décadas e se mantém como paradigma no canal mais comercial do Estado. Se nos anos 80 já era um anacronismo, hoje parece saído do museu da televisão: o visual piroso, o ritmo, a falta de jeito das dançarinas, da apresentadora, do júri e das famílias (desafinadas, descoordenadas) - mais um entretenimento indigno dum canal pago pelos contribuintes. Qualquer semelhança com A Visita da Cornélia, comparação que a RTP teve a lata de fazer, é um insulto aos autores desse concurso dos anos 70 e aos espectadores.
Tudo é fabricado, tudo é plástico, tudo é horrendo, os sorrisos permanentes são mais falsos que os das hospedeiras de bordo. Depois de prestações tenebrosas pelos grupos concorrentes, a jurada Maria João Abreu afirma: "As duas famílias foram brilhantes." E, no júri, Manuel Serrão, um empresário que passa mais tempo em programas de TV e na imprensa do que na sua empresa, representa alegre como sempre o seu habitual papel de Fernando Mendes do Porto. Nenhum dos intervenientes consegue dizer uma frase que seja com interesse ou com autenticidade.
As famílias actuais já não se adequam ao modelo que estrutura o programa. Na segunda semana, uma participante disse sobre a sua "família" com quem partilhava o palco: "Não vivemos todos juntos." A apresentadora teve que mudar de conversa. As "famílias" são inventadas para a ocasião. Nem mesmo os programas para "toda a família" conseguem reunir em palco "toda a família". Já o programa M/F substituiu rapidamente os casais por "famosos" sem relação familiar. No Dança Comigo no Gelo, em que a primeira dança nas "semifinais" começou aos 19 minutos (!), também se recorre a "conhecidos", género que se tornou o pólo de atracção de dezenas de programas generalistas. Está visto que as "famílias" de hoje se identificam mais com os "famosos" do que com o tio, a prima ou até o papá ou a mana, mas os programadores da TV generalista vão simulando famílias de outros tempos numa busca desesperada de audiência para programas baseados num modelo de há 50 anos.As "famílias" tipo Addams
dos canais generalistas (FALTA TEXTO, mas presume-se o que falta...).
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